Subversão na Corte
Num momento de elevada tensão política, o presidente da Província do Rio de Janeiro, atendendo com presteza à convocação do governo central, foi incumbido de reunir, sem demora, as forças disponíveis na capital. O objetivo era manter essas tropas prontas para embarcar, devidamente municiadas, rumo à Corte assim que houvesse o primeiro sinal de necessidade. O conselheiro Carlos Afonso, conhecido por sua energia e dedicação, executou com exatidão as instruções que lhe foram confiadas. Enquanto essas providências eram tomadas com o máximo de cautela, o chefe do Executivo aguardava com expectativa o desenrolar dos acontecimentos, ainda esperançoso de que o marechal Floriano Peixoto comparecesse ao compromisso agendado – o que, no entanto, não se concretizou.
Em lugar do marechal, compareceu o chefe de polícia, visivelmente apreensivo, relatando que medidas estavam sendo tomadas diante de indícios de uma possível hostilidade contra o governo. O alerta era reforçado por uma carta anônima recebida naquela tarde, descrevendo os preparativos de insubordinação no quartel do 1º Regimento de Cavalaria, com a citação nominal de oficiais engajados na propaganda contra o governo. Mesmo que assinada por um nome possivelmente fictício, a carta trazia um conteúdo suficientemente grave para merecer atenção imediata. Assim, foi ordenado ao chefe de polícia que a entregasse pessoalmente ao ajudante-general do Exército, já que o ministro da Guerra encontrava-se ausente, em local de difícil acesso.
Às dez da noite, o Visconde de Ouro Preto recebeu a inesperada visita do conselheiro Sousa Ferreira, redator-chefe do influente Jornal do Comércio. Este viera confirmar rumores de que o governo teria expedido ordem de prisão contra o marechal Deodoro e determinado o embarque de tropas da guarnição. O Visconde negou veementemente tais alegações, assegurando que não havia qualquer intenção nesse sentido. Sousa Ferreira, embora aliviado, alertou que tais medidas, se fossem reais, poderiam desencadear consequências gravíssimas. Ouro Preto reafirmou que manteria sua autoridade com dignidade ou a renunciaria, mas jamais se curvaria à desordem. Para manter o poder, recorrer-se-ia aos batalhões leais, à Marinha, à Guarda Nacional e até mesmo ao próprio povo.
Quando instado a desmentir os boatos no Diário Oficial, o Visconde recusou-se, argumentando que não se submeteria a refutar toda e qualquer invenção da oposição. Autorizou, porém, que o próprio Jornal do Comércio publicasse a versão correta, se assim achasse necessário. Após longa conversa, Sousa Ferreira despediu-se, declarando que sua visita era motivada não apenas por amizade, mas por seu dever como jornalista preocupado com a manutenção da ordem pública. O presidente do conselho de ministros, o Visconde de Ouro Preto, por sua vez, foi firme ao responsabilizar aqueles que, promovendo a propaganda subversiva ou se omitindo em combatê-la, comprometiam a estabilidade nacional.
Refletindo sobre os acontecimentos, o Visconde passou a suspeitar que a origem dos rumores estaria ligada à conversa que mantivera, pela manhã, com o ministro da Guerra. Nessa ocasião, discutiu-se a possibilidade de medidas contra o general Deodoro, diante de sinais de que sua conduta não seguia os trâmites regulares. Contudo, essa conversa fora restrita e sigilosa. Assim, surgia a inquietante dúvida: quem teria vazado essa informação? E como a palavra "prisão", jamais pronunciada, tomou corpo nos boatos que circularam pela cidade? A resposta permanecia incerta, à espera do julgamento da história.
Pouco antes da meia-noite, o conselheiro Basson ligou para informar que o 1º Regimento estava armado em seu quartel e havia comunicado sua posição ao ajudante-general. Os chefes do Exército tentaram contê-los, mas a situação era incerta. A gravidade do momento exigia a presença imediata do Visconde de Ouro Preto. Assim, ele partiu a pé, escoltado pelo coronel Gentil José de Castro. No caminho, encontrou o carro - carruagem da época - do chefe de polícia, que confirmou a insubordinação. Dirigiram-se então ao quartel de cavalaria da polícia, onde 40 praças e 2 oficiais estavam prontos. Ordenou-se que fossem reforçados com todas as forças disponíveis e marchassem rumo ao quartel-central. Por fim, na secretaria da polícia, onde se encontravam conselheiros, delegados e até repórteres, começou a se desenhar o desfecho de uma crise política que marcaria para sempre os bastidores da República nascente.
Visconde de Ouro Preto reunido com conselheiros, delegados e repórteres.
Fonte: O Advento da Ditadura Militar no Brasil
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